Rainan, meu priminho, se acostumou a sentar ao meu lado na varanda pela manhã, segurar a xícara (minúscula, em seu caso), que insiste em ter entre os dedos, para se fazer espelho de meus gestos, tomar um gole de café (o único na xicarazinha) e observar a natureza à nossa frente ― um pé de acerola e o céu.
Certa vez, após um gole, meu estômago ronquejou e ele imediatamente disse: “Nossa, primo, que roncão!”. Nesse momento, um trovão anunciou a vinda da chuva iminente e ele logo observou: “Primo, igualzinho o seu estômago, né? Só que o seu foi mais alto.”. Olhei para o céu e entendi que São Pedro estava de conluio com aquele pilantrinha. Mas, assim como ele, também eu tinha imaginação...
“Deus está neste instante sentado em seu trono tomando, como eu e você, uma xícara de café. A cada gole, o estômago Dele (que é do tamanho do mundo) ronca; e é por isso que a gente ouve o trovão”, eu
disse, e beberiquei da minha xícara. Ele me olhava desconfiado. Após uns segundos, abriu um largo e jovial sorriso e falou: “Primo, deixa de ser mentiroso!”. Rimos. Ele não acreditava mais em contos de fadas. Eu sim.
Sobre o autor
Rodrigo Della Santina
Formado em Letras, o autor se dedica aos poemas, crônicas e contos, tendo participado de concursos e seleções literárias. Tem dois livros de poemas publicados (“Intertrigem”, CBJE, 2005, e “O limiar do surto”, Scortecci, 2008) e alguns de seus trabalhos foram publicados em revistas digitais, como: Flaubert #7, Benfazeja, edição 43, e Letras in.verso e re.verso. Contribuiu, ainda, para o site Obvious com artigos sobre livros.
Instagram: @rodrigods22
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